O Doutor de Lucas: José Rocha é o farmacêutico mais velho em atividade no Estado

Numa farmácia na Rua Bulhões Marcial, no bairro Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio, um simpático senhor de 91 anos trabalha das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira. Seu nome é José Rocha. Quem passa por ali sequer imagina que ele é o farmacêutico em atividade mais antigo do Estado do Rio.

Filho de negociantes de “secos e molhados”, como ele mesmo diz, José veio de Portugal aos 5 anos, após passar 13 dias em um navio. Poderia ter dado continuidade ao empreendimento de seus familiares, mas optou por seguir em uma nova direção. Inspirado em Dermeval Barros, farmacêutico da já extinta Farmácia Lima Vieira, na Penha, José decidiu que queria seguir os passos de seu amigo quando ainda era estudante.

“Ele me influenciou bastante. Admirava como ele trabalhava, a forma como era cuidadoso com as pessoas. Pensava: ‘um dia, vou me formar em farmácia e ser igual a ele’”, emociona-se.

Alguns anos depois, prestou vestibular e ingressou na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, onde fez o curso de farmácia. Doutor Rocha ou Seu José, como é conhecido, se formou em 1949, aos 25 anos, e começou sua vida profissional como propagandista num laboratório.

Após quase uma década, o espírito empreendedor de José o levou a juntar dinheiro e, num leilão dos produtos da então Farmácia São José, na Rua da Carioca (Centro do Rio), comprou os equipamentos que precisava para abrir o seu negócio. Ainda faltava o espaço.

Dois anos depois, após procurar muito, encontrou um ponto comercial em Parada de Lucas, e decidiu que ali seria o local ideal para realizar o seu sonho.
Assim, nascia a Farmácia Central de Lucas, que está na mesma rua desde julho de 1959. A botica não é a primeira da região, porém, é a mais antiga em funcionamento.
“Eu atendia entre 150 e 200 pessoas por dia, que buscavam orientação. A farmácia se tornou uma referência, conquistei a amizade da comunidade de Parada de Lucas. Sempre me dediquei ao trabalho social, à assistência à saúde da população. Não trabalhava com o objetivo de lucrar, sempre me preocupei mais em ajudar. Muitas vezes, vendia medicamentos fiado sabendo que a pessoa não iria me pagar”, explica o farmacêutico.

José chegou a contar com 12 funcionários na farmácia, que era grande. No entanto, a unidade foi assaltada há cinco anos e levaram tudo.

“Estava de licença médica, havia passado por uma cirurgia. Quando me recuperei e voltei ao trabalho, a farmácia estava vazia. Perguntei ao meu filho se a farmácia estava de mudança, e ele me contou o que houve: fomos assaltados, levaram todo o nosso estoque. O mais assustador foi que, três dias antes, tive uma intuição: sonhei com este assalto”, lamenta o farmacêutico, que suspeita que tenha sido um rapaz para quem, inclusive, ele prestou assistência.

Mas José nada tem para provar a culpa do sujeito. Depois do roubo, a Farmácia Central de Lucas mudou para um espaço menor e o número de funcionários reduziu muito. Entretanto, José não perde o ânimo:

“A farmácia, depois disso, não voltou a ser a mesma. Não vou desistir por isso, temos que correr atrás de nossos objetivos. Precisamos trabalhar para que consigamos chegar a algum lugar”.

Seu José interrompe a conversa para atender uma cliente. No bairro, ele conhece muita gente desde pequena.

“Venho aqui desde antes de as minhas filhas nascerem. E olha que a minha mais velha tem 18 anos. Sempre fui bem atendida. Quando preciso tirar dúvidas sobre medicamentos, tomar uma injeção ou aferir a pressão, logo procuro o Seu José”, relata Tatiane Batista.

Armazém do pai era frequentado por Getúlio Vargas
Seu José guarda na lembrança os tempos da infância em Portugal, com escaladas em carros de boi, retirada de cachos de uvas nas parreiras e os gaiteiros. De tão admirado, ele seguia os músicos pelas ruas e se perdia, deixando os pais preocupados. A sorte do pequeno José é que sua família era muito conhecida na região onde vivia e sempre havia um vizinho para levá-lo para casa.

Na memória também está o armazém do pai, na Praia de Botafogo, frequentado por políticos por ser próximo ao Palácio do Catete.

“Quando eu era moleque, ia com meu pai ao trabalho dele de vez em quando. Muitas vezes, o então presidente Getúlio Vargas ia lá, e sempre conversava com meu pai”, lembra o farmacêutico.

Outra lembrança é a da Gazeta da Pharmácia, uma publicação pioneira voltada aos profissionais farmacêuticos.

“Eu lia a Gazeta, era um ótimo jornal, muito útil. Foi um educandário para os farmacêuticos. Sempre falava sobre assuntos pertinentes, eu adorava. Tenho os exemplares até hoje!”, recorda-se o farmacêutico, lamentando o fato de o jornal não circular mais.

Homenageado pelo Conselho Regional de Farmácia do Rio em 2008, quando completou 50 anos de serviços prestados à sociedade, o farmacêutico lembra do tempo em que não havia órgãos fiscalizadores (os CRFs foram criados em 1960). “As farmácias estavam abandonadas no Rio de Janeiro. Muita coisa era confusa. O Conselho sempre deu apoio, esclarecimentos para a gente. Foi muito útil para o progresso da farmácia naquela época”, recorda-se José, que está inscrito no CRF-RJ com o número 1638.

Em 1954, incentivado por amigos, José também se formou em Direito. A rotina era puxada. Após passar o dia inteiro na farmácia, estudava à noite na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele costumava sair cedo de casa e voltar depois de meia-noite, pois a faculdade não era perto de casa. Na época, o curso de Direito ficava no Catete, e Seu José morava em Brás de Pina, onde está até hoje.

Depois do Direito, José ainda estudou Medicina até o segundo ano. Precisou parar o curso por falta de tempo. “Tentei seguir novos horizontes, mas acabei preferindo continuar com a farmácia, que é o meu ganha-pão”, comenta o farmacêutico, sempre sorridente.

Atualmente, Seu José vive com sua terceira esposa, Leda. O casal está junto há 45 anos. Ele também é pai de Aline e Ricardo que, inclusive, iniciou os estudos em farmácia e ajuda o pai com a Farmácia Central de Lucas. O farmacêutico também tem dois netos: Carolina e Rafael.

Esta é outras reportagens estão na edição 122 da Revista Riopharma. Acesse http://goo.gl/Xt32BB