O vírus HIV teria surgido no início do século XX na região sul de Camarões, transmitido aos humanos através da manipulação ou do consumo da carne de caça de chimpanzés. No entanto, a doença permaneceu como uma infecção regional até os anos 1920, quando chegou a Leopoldville, então capital do Congo Belga, onde encontrou as condições perfeitas para se proliferar e, décadas mais tarde, se transformar em uma pandemia que já infectou 75 milhões de pessoas no planeta até hoje. Foi esta a conclusão de um estudo publicado nesta sexta-feira (3/10) na revista Science.
A pesquisa foi liderada pelas universidades de Oxford e Leuven – um time internacional de pesquisadores analisou documentos históricos e amostras de DNA do vírus que datam desde a década de 1950. Com estas informações, foi possível traçar uma árvore genealógica da AIDS e, através de modelos estatísticos, determinar o ponto de origem da epidemia no espaço e no tempo. Leopoldville tinha esse nome em homenagem ao rei Leopoldo II da Bélgica, que detinha o país africano como colônia. Hoje a capital da República Democrática do Congo é chamada de Kinshasa.
"Parece que uma combinação de fatores em Kinshasa no começo do século XX criou as condições ideais para a emergência do HIV, levando a uma epidemia generalizada e irrefreável que se desenrolou pela África Subsaariana", disse ao jornal britânico The Independent o professor de Oxford Oliver Pybus, um dos autores do artigo. Naquele período, Kinshasa era o centro econômico da região e crescia rapidamente, com linhas de trem que fervilhavam de trabalhadores e barcas abarrotadas que iam e vinham pelo rio Congo. De acordo com registros históricos, mais de um milhão de pessoas transitavam anualmente pelas ferrovias da capital congolesa nos anos 1940.
Além da oportuna carona nos meios de transporte, o vírus também se aproveitou de outros fatores: na época, a cidade possuía um número muito maior de homens do que de mulheres, o que acabou por estimular a prostituição. Os próprios centros de saúde, mesmo sem saber, colaboraram na disseminação da doença através de injeções aplicadas com agulhas sem a devida esterilização.
Os pesquisadores acreditam que, ao longo da história, diversos tipos de HIV passaram de macacos a humanos de forma semelhante, mas não ultrapassavam a esfera regional. "Nós queríamos responder à questão: por que este se transformou em uma pandemia?", explicou Pybus ao jornal britânico The Guardian. A AIDS como conhecemos é causada especificamente pelo vírus HIV-1 grupo M, e começou a ser diagnosticada fora da África no início dos anos 80, nos Estados Unidos.