Preços: por que fazer alguns clientes pagarem mais que outros por um mesmo produto?

Seria um sistema justo se as pessoas pagassem preços diferentes para o mesmo serviço? Tal "discriminação de preços" não é somente encontrado em livros de economia, mas também no centro de um debate em torno de uma nova droga de bilhões de dólares de sucesso para curar a hepatite C.

Estudantes de economia sabem que a discriminação de preços pode ser do interesse da sociedade. Tomemos o exemplo de um operador de balsa que incorre em um custo de US$ 10 a cada vez que faz uma viagem e tem dois passageiros potenciais: A, que está disposta a pagar até US$ 8 para a viagem, e B, que vai pagar até US$ 4. Se o operador é obrigado a cobrar a todos o mesmo preço, ele nunca vai prestar o serviço. Se ele cobra US$ 8, apenas um vai pagar e o operador teria uma perda de US$ 2. E se fosse para cobrar US$ 4, A e B se inscreveriam para viajar, mas a receita total não cobriria os custos.

Se o operador está autorizado a cobrar para A e B preços diferentes, todos estão em melhor situação. A e B fazem uma viagem que eles querem, pelos preços que estão todos felizes em pagar (US $ 8 e US $ 4, respectivamente) e o operador faz um lucro de US$ 2. Mas o que acontece quando a discriminação de preços ocorre em um cenário global com milhares de milhões de dólares em jogo?

De ferries para pharma

Lembrei-me do exemplo da balsa recentemente, quando a empresa farmacêutica Gilead Sciences apresentou o Sovaldi, uma nova cura à base de comprimido para o vírus da Hepatite C (HCV). Seu curso de tratamento dura apenas 12 semanas, muito menos do que os produtos que necessitam de até 48 semanas. Tratamentos de HCV normalmente requerem aos pacientes tomar medicamentos complementares, tais como interferon e ribavirina, que podem ter efeitos colaterais, incluindo depressão e erupções cutâneas. Com o uso do Sovaldi, os pacientes têm mais chances de chegar ao final do tratamento, já que ele é mais curto, aumentando assim a taxa de sucesso para cerca de 90%.

A Hepatite C está espalhada pelo mundo, com uma estimativa de 3,2 milhões de pessoas infectadas só nos EUA, ou cerca de 1% da população. Se não for tratada, pode levar ao câncer de fígado ou cirrose e é a razão principal para transplantes de fígado nos EUA. Tratar HCV precocemente, em vez de mais tarde, quando os procedimentos são mais graves, tais como os transplantes, é, obviamente, melhor para o paciente e algo menos dispendioso.

A Gilead aceita que as drogas que competem com períodos mais longos de tratamento custam menos por pílula. Mas diz que elas custam mais no total, para tratar a doença e, além disso, são menos eficazes. O potencial de poupança para as seguradoras e os sistemas de saúde do Sovaldi justificariam um preço elevado para o tratamento. A Gilead cobra US$ 1.000 por comprimido, ou US$ 84.000 pelo curso de 12 semanas de tratamento.

Uma pílula que custa $ 1.000 causou indignação no meio médico norte-americano, inclusive nos planos de saúde, alguns dos quais se recusam a pagar o tratamento. Mas, apesar do preço (ou por causa dele, dependendo do seu ponto de vista), o Sovaldi está no caminho certo para trazer mais de US $ 10 bilhões em receita em 2014, o que se tornaria uma das drogas de mais alto rendimento de todos os tempos (o Lipitor, medicamento para controle do colesterol comercializado pela Pfizer, detém o recorde, fazendo US$ 12,9 bilhões em 2006).

Em parte, o fogo é alimentado pelo fato de a Gilead ter adquirido, em vez de desenvolver, a tecnologia, quando comprou uma empresa chamada Pharmasset por US$ 11 bilhões em novembro de 2011. Se 3 milhões de pacientes com hepatite C forem tratados com Sovaldi ao preço corrente, a Gilead teria US$ 250 bilhões em receita somente com os EUA, provavelmente levando a um retorno saudável e rápido do investimento.

Desde que a HCV foi vista como uma doença global, a Gilead também está vendendo Sovaldi fora dos EUA. Embora seu preço na Europa seja semelhante ao dos EUA, no Egito e na Índia o Sovaldi pode ser adquirido por US$ 900 por tratamento, ou cerca de 1% do preço de 84.000 dólares americanos nos EUA. A Gilead tinha a esperança de evitar as críticas que muitas vezes são dirigidas a empresas farmacêuticas que vendem a alto custo drogas necessárias para salvar vidas em países mais pobres. Além disso, há quem sugira que a Gilead estava simplesmente tentando impedir que alguns países mais pobres ignorassem sua patente e permitissem versões genéricas locais mais baratas da nova droga. Em qualquer caso, a empresa viu-se obrigada a defender seu preço nos Estados Unidos para o mercado norte-americano.

Este é o lugar onde o preço da Gilead me lembrou do operador de ferry-boat. Sua estrutura de preços é dependente de um fator-chave que A não pode tirar vantagem do preço mais baixo oferecido a B. Com tais diferenças acentuadas no preço do Sovaldi, como pode a Gilead garantir comprimidos baratos na Índia e não torná-los acessíveis para os EUA? Embora a FDA vá impedir a importação da droga para revenda, alguma forma de mercado negro ilegal vai surgir com mark-ups que deixariam distribuidores de cocaína com inveja. Então, em vez de importar drogas, poderiam os EUA e Europa exportar pacientes? Talvez, 12 semanas em Sharm el-Sheikh ou Goa, em um hotel de primeira classe com $ 5.000 em dinheiro para gastar, possa fazer um tratamento mais suportável para os pacientes de HCV e as seguradoras de saúde.

John Walsh – é professor de Marketing da IMD e dirige um programa para gerentes de alto potencial em início de carreira focado para assumir maiores responsabilidades.

 

Fonte: Administradores