Para ter uma alimentação saudável, quando comer pode ser quase tão importante quanto o quê comer. A indicação é de duas revisões dos principais e mais recentes estudos sobre o tema, conhecido como “crono-nutrição”, publicadas ontem no periódico científico “Proceedings of the Nutrition Society”. Os cientistas, no entanto, ressaltam que ainda são necessários mais pesquisas e levantamentos mais amplos para melhor entender os impactos da hora que comemos sobre nosso metabolismo e guiar recomendações de saúde pública.
Segundo os pesquisadores, os poucos estudos sobre o assunto disponíveis até agora sugerem que hábitos de alimentação irregulares aumentam o risco de aparecimento de síndromes metabólicas, que podem se traduzir em hipertensão, desenvolvimento de diabetes do tipo 2 e obesidade, entre outros males. Além disso, eles destacam que nas últimas décadas nosso estilo de vida se tornou cada vez mais demandante e desregrado, com um forte aumento no número de trabalhadores em turnos noturnos e do chamado “jetlag social”, segundo o qual vivemos ditados mais pelos nossos relógios sociais do que pelo nosso relógio biológico natural.
Ainda de acordo com os cientistas, tais mudanças no estilo de vida trouxeram alterações notáveis nos padrões alimentares, com mais refeições sendo “puladas” e maior consumo de alimentos fora do ambiente familiar, de comidas “para levar” e em horários mais tardios. E esses hábitos irregulares de alimentação estão afetando nossos ciclos circadianos, nosso relógio biológico interno de 24 horas regido principalmente pela variação dia/noite ou claro/escuro, com impactos em processos alimentares e corporais que seguem este ritmo, como apetite, digestão, o metabolismo de gorduras, colesterol e açúcares e a atividade de órgãos como o fígado e os intestinos.
Nas revisões, os pesquisadores destacam que além de estar atentos a quando comemos, devemos levar em consideração com quem comemos, com evidências de estudos apontando que fazer refeições em família de foma regular levam crianças e adolescentes a desenvolverem hábitos alimentares mais saudáveis. Além disso, como os padrões de alimentação variam muito em nível global, os costumes podem fazer a diferença entre comer de forma saudável ou não. É o caso, por exemplo, da França e outros países do entorno do Mediterrâneo, onde o almoço ainda é a refeição mais importante do dia, num reflexo de culturas que valorizam os aspectos sociais e de prazer da alimentação. Consequentemente, os franceses tendem a comer em família mais frequentemente, além de seguir um padrão de alimentação mais regular, de três refeições ao dia.
Já na Inglaterra, relatam os cientistas, as pessoas tendem a valorizar mais a conveniência e as preferências pessoais na hora de escolherem quando e o quê comerem, o que resulta em um consumo maior de refeições semiprontas ou para viagem e constantes “pulos” de refeições compensados com lanches muito calóricos e gordurosos. Desta forma, os estudos têm observado que tanto no Reino Unido quanto nos EUA a ingestão de calorias tende a aumentar ao longo do dia, com o café da manhã fornecendo proporcionalmente menos energia que o jantar. E lutar contra esta tendência ganha importância após estudos mostrarem, por exemplo, que mulheres com sobrepeso ou obesas perdem mais massa corporal e têm melhorias maiores nos níveis de açúcar no sangue se ingerirem mais calorias pela manhã do que à noite. Já outra pesquisa aponta que a razão entre a energia obtida dos alimentos nas diferentes horas do dia tem um efeito mais pronunciado na massa corporal se a pessoa toma café da manhã regularmente ou não.
— Parece mesmo haver um verdade por trás do ditado de que devemos tomar café da manhã como um rei, almoçar como um príncipe e jantar como um pobre — comenta Gerda Pot, pesquisadora do King's College London e primeira autora de uma das revisões. — Mas embora tenhamos um entendimento melhor sobre o quê devemos comer, ainda nos sobra a questão de qual refeição no deveria dar a maior parte da energia. Apesar de estudos sugerirem que consumir mais calorias tarde da noite está associado à obesidade, ainda estamops longe de entender se nossa ingestão de energia deve ser distribuída igualitariamente ao longo do dia ou se o café da manhã deve mesmo fornecer a maior proporção de energia, seguido do almoço e do jantar.
Fonte: O Globo