Cientistas estão a um passo de regenerar coração de quem sofreu ataque cardíaco

Um grupo de cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, nos EUA, conseguiu regenerar tecidos cardíacos danificados em ratos e porcos que haviam sofrido infarto. O feito foi alcançado por meio da introdução de uma espécie de curativo de colágeno “colado” no órgão, a partir de bioengenharia. A experiência chama atenção porque, até hoje, nenhum procedimento médico foi capaz de restaurar cicatrizes em tecidos cardíacos de mamíferos.

“Esta descoberta abre as portas para um tratamento completamente revolucionário”, afirmou, durante a divulgação do estudo, a professora Pilar Ruiz-Lozano, que ministra Pediatria na Universidade de Stanford e é a autora sênior da pesquisa.

Em um ataque de coração, as células do músculo cardíaco, chamadas de cardiomiócitos, morrem devido à falta de fluxo de sangue. Substituir essas células é vital para que o órgão se recupere totalmente, entretanto, o coração dos mamíferos adultos não se regenera de forma eficaz, fazendo com que fique uma cicatriz no tecido.

Se for possível, como espera a pesquisadora, restaurar completamente o tecido cardíaco dessas pessoas, elas poderão voltar a ter a qualidade de vida de antes do infarto. Essa expectativa anima também o professor de Cardiologia na Unifesp, Dirceu Rodrigues Almeida. Ele explica que muitos indivíduos que desenvolvem insuficiência cardíaca — quando o coração perde a capacidade de bombear o sangue normalmente — acabam sendo afetados por arritmia, o que pode levá-los à morte. De acordo com ele, cerca de 200 mil pessoas morrem de arritmia no Brasil, a cada ano. E mesmo os que não são acometidos por esse mal sofrem em várias outros aspectos, como perda de fôlego e resistência física.

— O que se busca a partir dessa pesquisa é justamenete minimizar os danos de um infarto — pontua ele, que é responsável pelo setor de insuficiência cardíaca da Unifesp.

Almeida explica que o uso de proteínas para regeneração de órgãos não é novo, mas a grande dificuldade sempre foi fazer a proteína chegar ao órgão e permanecer lá.

— O mérito dos cientistas foi conseguir criar uma espécie de curativo feito com bioengenharia, envolvendo o coração com esse material, que contém a proteína capaz de regenerar — explica ele. — Como esse curativo é feito de colágeno acelular, isto é, que não contém células, não há necessidade de medicamentos imunossupressores para evitar a rejeição. Com o tempo, o material é absorvido pelo órgão.

Segundo o professor, os testes em porcos são muito eficazes porque o animal tem um coração bem similar ao humano.

— Tanto em termos de tamanho quanto de proporção de tecido, os órgãos são muito parecidos no porco e no ser humano. Acredito que a pesquisa tenha um potencial muito grande. Claro, é preciso ver a segurança disso em humanos, e essa deve ser a próxima etapa — diz Almeida. — Se funcionar em humanos, será incrível, porque todo individuo que tem um infarto e não é atendido nas primeiras três horas, quase certamente terá uma sequela.

Ataques cardíacos causam milhões de mortes por ano em todo o mundo. No Brasil, ocorrem em torno de 150 mil infartos a cada ano, dos quais entre 5% e 15% são causa de mortalidade. Já nos Estados Unidos, todo ano, em média 735 mil pessoas sofrem um ataque cardíaco, e a previsão é de que esse índice suba rapidamente nas próximas décadas, podendo até mesmo triplicar até 2030. Atualmente, muitas vítimas sobrevivem à lesão inicial graças aos avanços no tratamento precoce, mas a perda de cardiomiócitos pode levar a insuficiência cardíaca e possível morte. “A maioria dos sobreviventes enfrenta um processo longo e progressivo de insuficiência cardíaca, com má qualidade de vida e altos custos médicos”, destaca Pilar.

O trabalho liderado por Pilar Ruiz-Lozano é foi publicado on-line nesta quarta-feira, dia 16, na revista científica “Nature”. A autoria é dividida com Vahid Serpooshan, doutorando em cardiologia na Universidade de Stanford, e com Ke Wei, PhD, doutorando na Universidade da Califórnia.

RETOMADA DA PROTEÍNA PERDIDA

Estudos anteriores sobre regeneração cardíaca em peixes mostraram que o epicárdio — a camada externa do coração — ajuda na cura de um coração danificado, explicou a pesquisadora. "Queríamos saber o que no epicárdio estimula o miocárdio, o músculo do coração, para que ele se regenere", disse ela. Como corações de mamíferos adultos não se regeneram efetivamente, os estudiosos também queriam saber se as substâncias do epicárdio podem estimular a regeneração em corações de mamíferos e restaurar a função depois de um ataque cardíaco.

Pilar e seus colegas identificaram o Fstl1, uma proteína secretada pelo epicárdio, como um fator de crescimento para os cardiomiócitos. Além disso, os pesquisadores descobriram que essa substância está ausente do tecido danificado epicardial após ataques cardíacos em seres humanos.

Os pesquisadores reintroduziram a proteína no tecido epicardial danificado de ratos e porcos que tinham sofrido ataque cardíaco, suturando um "curativo" de bioengenharia, carregado com Fstl1. O material, que é natural, foi estruturalmente elaborado para imitar certas propriedades mecânicas do epicárdio. Os pesquisadores acreditam que a elasticidade do "curativo", que se assemelha à do coração, é fundamental para proporcionar um ambiente hospitaleiro para o crescimento do músculo.

Duas a quatro semanas depois da reintrodução da proteína, as células musculares começaram a se proliferar e os animais progressivamente recuperaram a função cardíaca. "Muitos estavam tão doentes antes de começar o tratamento que eles teriam sido candidatos a transplante de coração", destacou Pilar.

O trabalho integrou esforços de vários laboratórios ao redor do mundo, incluindo laboratórios no Instituto de Descoberta Médica Sanford-Burnham-Prebys, em San Diego, a Escola de Medicina de UC-San Diego, a Escola de Medicina da Universidade de Boston, do Imperial College de Londres e dos Institutos de Ciências Biológicas de Xangai.

Fonte: O Globo