Fadiga e cansaço excessivo, perda de peso e apetite, sudorese noturna, febre e aumento do baço e do fígado são alguns dos sintomas que levam ao diagnóstico da mielofibrose. Segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), a mielofibrose é um tipo de câncer, cuja principal característica é o aumento excessivo das células do sangue na medula óssea. A estimativa do Ministério da Saúde é que em torno de 2 a 3 mil pessoas recebam o diagnóstico da doença, por ano, no Brasil.
Um dos únicos medicamentos aprovados pela agência norte-americana de vigilância de medicamentos e alimentos, a FDA, está ainda em estudo no Brasil, mas com boa perspectiva de ser aprovado para uso de rotina. Trata-se do inibidor de quinase Janus-associado (JAK), uma classe de drogas que inibe as enzimas chamadas de "JAK1" e "JAK2", envolvidas na produção de células do sangue.
O princípio ativo do medicamento é o ruxolitinibe (JakaviTM), fármaco de uso via oral indicado para combater sintomas e sinais da mielofibrose - a doença também envolve anemia e queda ou aumento dos glóbulos brancos e plaquetas, o que, em casos graves, pode se transformar em leucemia aguda.
O hematologista Flavio Naoum, de Rio Preto, observa que há um clima de muita esperança na iminente aprovação do medicamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nos próximos dias. Uma vez que os resultados do tratamento para a doença existentes hoje ainda não são bons e precisam melhorar, sendo a única chance de cura para a doença o transplante de medula óssea alogênico (que depende de outro doador).
O problema do transplante é que ele não pode ser realizado em pacientes idosos, além de esbarrar na necessidade de se encontrar um doador compatível. Dessa forma, a maioria dos pacientes recebe tratamento clínico, à base de quimioterápicos como a hidroxiureia, transfusões de sangue, imunomoduladores, entre outros", observa.
Quem já passou por vários desses tratamentos e agora comemora o fato de ser um dos 150 pacientes em tratamento com o ruxolinitibe - em caráter experimental - é o aposentado paulista Walter Devito, 68 anos, cujo diagnóstico da doença foi feito há mais de 15 anos. Ele conta que, há cerca de um ano e meio, foi convidado a participar do estudo que avalia a eficácia do medicamento entre os brasileiros e voltou a ter uma vida normal.
"Antes, sofria demais com os efeitos colaterais dos tratamentos. Agora, estou ótimo, e levo uma vida normal", afirma. Walter conta que teve o diagnóstico feito de forma precoce, por pura sorte, pois ao procurar um atendimento de urgência para uma crise de coriza o médico constatou na apalpação de seu abdômen que o baço estava volumoso, e o encaminhou para realizar exames que ajudaram a chegar ao diagnóstico suspeito. "Graças a Deus, porque pude procurar ajuda e hoje nem lembro que tenho este problema", diz.
Cirurgia pode ser a saída
A esplenectomia subtotal, ou a retirada de boa parte do baço, com manutenção de uma pequena porção essencial ao funcionamento do órgão, pode aumentar a qualidade de vida do portador da doença. Esta é a conclusão de um estudo realizado pelo professor mineiro Andy Petroianu, do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que observa um grande risco do aumento do baço levar à ruptura hepática espontânea, que, acompanhada de sangramento, pode ser fatal.
Daí ele comemorar sua técnica - aplicada na ocasião do estudo - em mais de 160 pacientes, pessoas cujo baço estava com volume excessivo, e após acompanhá-las por mais de 18 anos, com resultados positivos, publicou seu estudo na Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. "Este fato nos estimula a prosseguir na indicação desse procedimento em outras doenças nas quais haja a necessidade de operar o baço, com a possibilidade de manter parte do tecido esplênico", descreve. O médico afirma ainda que, a exemplo do que é relatado na literatura, a preservação do pedículo esplênico (ramo de artéria que irriga o baço), na esplenectomia subtotal, permite preservar todas as funções do baço.
Saiba mais
Esplenectomia: o baço pode ser removido cirurgicamente se estiver muito grande e causando uma contagem muito baixa de plaquetas, anemia severa ou hipertensão portal. A decisão em realizar esta cirurgia está baseada em pesar os benefícios e riscos para cada paciente. Pessoas com mielofibrose que se submeterão a essa cirurgia precisam ser avaliadas antes e após, devido ao risco aumentado de complicações hemorrágicas, incluindo a formação de trombos, que podem levar a um acidente vascular cerebral ou embolia pulmonar, infecção, aumento do fígado e da contagem de plaquetas
Ruxolitinibe: Está indicado para o tratamento de pessoas com mielofibrose de risco intermediário ou alto. Com efeitos colaterais menos impactantes, tem sido relatados até agora que pode afetar as células sanguíneas com a trombocitopenia (diminuição, abaixo do normal, do número de plaquetas) e anemia. Outros efeitos colaterais comuns são manchas roxas pelo corpo, tonturas e dores de cabeça. Mais informações podem ser obtidas no site www.abrale.org.br
Entenda
Como acontece
:: A mielofibrose é uma neoplasia hematológica que se inicia na célula-tronco da medula óssea. Dentre as células afetadas pela neoplasia estão os megacariócitos, que são células que produzem as plaquetas do sangue. Esses megacariócitos, agora anormais, passam a secretar substâncias que induzem a formação de fibrose na medula óssea. A fibrose, que é uma espécie de tecido cicatricial, vai crescendo na medula óssea e ocupando o lugar das células normais e saudáveis deste local, e isso acaba dificultando muito a produção de sangue, podendo causar anemia, diminuição
dos glóbulos brancos e
das plaquetas
:: Por conta desse impedimento da produção de sangue pela mielofibrose, o organismo tenta reagir e acelerar a fabricação de sangue, mas como a medula óssea está impossibilitada, quem responde a esse chamado é o baço, que acaba aumentando muito de tamanho, de forma que mais atrapalha do que ajuda neste processo, mesmo porque ele não tem estrutura para produzir sangue de
forma adequada
Rara e perigosa
:: A mielofibrose é uma doença relativamente rara, com incidência de 1 caso para cada 100 mil pessoas por ano, que ocorre principalmente em adultos e idosos de ambos os sexos, sendo que a média de idade ao diagnóstico é de 65 anos.
O fato de ser uma doença incomum acaba dificultando
as pesquisas para estudo e tratamento da doença
:: É uma doença perigosa, com sobrevida relativamente curta, em torno de 4 a 6 anos. No entanto, em pacientes mais jovens e de baixo risco, a sobrevida pode ser superior
a 10 ou 15 anos
:: Por ser um câncer hematológico, existe o risco
da doença se agravar com o tempo e se transformar em
uma leucemia aguda. Por isso, o diagnóstico precoce é fundamental, para que se tenha a chance de postergar a progressão da doença com o tratamento
Fonte: Flavio Naoum, hematologista do Instituto Naoum de Hematologia