Aprendizado na prática: Empresas juniores de farmácia permitem ao estudante gerenciar negócio na faculdade

O sonho de comandar uma empresa pode não estar tão distante. Pelo menos para os estudantes de Farmácia que participam de empresas juniores. Gerenciada por alunos, elas exigem um perfil ousado e muita vontade de fazer e aprender.
Na Fórmula Consultoria Farmacêutica, empreendimento júnior da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 45 estudantes comandam o negócio. Os integrantes devem estar presentes duas horas por semana na sede da empresa. No entanto, lidam com as demandas diariamente.
“Estamos conectados 24 horas por dia. Faço outras atividades, mas nunca deixo de ser da Fórmula. No quesito organização de tempo, a questão é como encaixar outras coisas dentro da rotina da empresa”, diz Eli Trindade.
O jovem tem 22 anos, está no 10º período da faculdade e ingressou na empresa júnior da UFRJ há um ano. Ele atua como diretor de marketing e também é estagiário em uma grande indústria farmacêutica.
“Sempre gostei de química e biologia. Entrei (na empresa) e gostei, não é uma área que pretendo deixar”, conta o estudante, que também é apaixonado por marketing: “Detesto não poder ser quem eu sou. Conheci a Fórmula e ela me propicia isso. Quero abrir meu negócio”.
Flávia Macedo, de 24 anos, é a atual presidente da Fórmula. Está há um ano e meio na empresa e divide seu tempo com estágio, estudos e a pequena
Marina, sua filha, de 2 anos. Foi a menina quem a motivou a participar da empresa:
“Antes de ter a Marina, meu objetivo era apenas estudar e passar nas matérias. Depois, decidi que precisava ter um diferencial para me destacar no mercado de trabalho”.
Com uma rotina atribulada e muitas tarefas, a estudante não desanima.
“Não é fácil gerenciar a empresa e os estudos. É preciso se organizar bem para coordenar tudo, sem deixar algo importante de lado”, aconselha Flávia.
Assim como outros membros, frequentemente ela é questionada por pessoas próximas sobre sua atuação na Fórmula: o que a motiva tanto, mesmo que não ganhe dinheiro? A resposta pode ser resumida em uma palavra: paixão.
“Todo mundo deveria ter essa oportunidade: não trabalhar por dinheiro, mas por amor. Isso muda completamente o nosso foco. Só quem vive isso entende”, explica a estudante.


A reunião é interrompida pelo telefone tocando. Luís Filippe Linhares, diretor e membro da empresa desdedezembro, atende. Quando desliga, tem um sorriso no rosto.
“Com licença, posso dar uma boa notícia?”, comemora o rapaz, que logo dá mais detalhes sobre a novidade: “Conseguimos patrocínio para a Semana Fórmula”.
A alegria contagia a equipe, que está organizando a 2ª Semana Fórmula. O evento trabalhará o tema “Transformando o acaso em oportunidade”, neste mês de setembro.
Vice-presidente da empresa, Hannah Tavares é uma das integrantes mais antigas: está na equipe há quatro anos e praticamente viu avFórmula nascer.
“A ideia surgiu depois de uma disciplina sobre empreendedorismo. Os estudantes foram formulando a ideia com os professores ao longo dos anos, pesquisando sobre o que era preciso para fundar a empresa. O apoio da UFRJ foi fundamental, não tínhamos capital para iniciar o negócio”, explica a estudante.
Ela lembra também da burocracia para levar o projeto à frente, já que demorou quase um ano para que a empresa pudesse, oficialmente, sair do papel.
Já na quinta geração de alunos, 118 universitários passaram pela empresa. A forma de gestão da Fórmula é conhecida como horizontal, ou seja, todos têm o mesmo nível de poder na empresa: não há chefes. Cada aluno recebe uma responsabilidade e alguns são responsáveis por delegar as tarefas, para evitar a desorganização. No entanto, Hannah alerta que cada empresa júnior tem seu jeito próprio de funcionar.

Diferencial no mercado


Wallace Bottacin é mestrando em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mirian Rascado trabalha na área de Garantia de Qualidade e tem um blog sobre Revisão Periódica de Produtos, o “RPP Pra Q?”. Bárbara Villela lida com saúde pública na International Pharmaceutical Student’s Federation.
Com caminhos profissionais tão distintos, os três farmacêuticos passaram por uma experiência em comum além da formação universitária e da afinidade com química e biologia: participaram de empresas juniores.
“Entrei na faculdade pensando em seguir a carreira industrial”, diz Mirian, ex-integrante da Pharma Júnior (atual Formulare), da Universidade Federal do Ouro Preto (Ufop).
Na época, a jovem estava confusa em relação a qual área poderia se dedicar, a ponto de acreditar que não conseguiria escolher durante a faculdade. Mas, inquieta, decidiu acelerar as coisas:
“Nunca fui uma pessoa muito acomodada. Queria ter um foco, uma meta. Esse perfil me fez ir além do que minhas expectativas aparentemente apresentavam”.
Assim, decidiu explorar um pouco mais a pesquisa, participando de uma iniciação científica no laboratório de farmacologia experimental. No entanto, quando ingressou na Pharma Júnior, seus planos mudaram.
“Tive a oportunidade de assumir a diretoria da empresa júnior e tudo mudou! Era algo ainda incipiente, mas o sentimento de realização pessoal por cada passo que eu dava era único. Mantive o trabalho nos dois ambientes, laboratório e empresa júnior, até o fim da graduação. No coração, tinha absoluta certeza de que queria experimentar mais esse universo corporativo que havia iniciado na faculdade”, emociona-se a farmacêutica.
Wallace garante que a escolha da carreira não acaba com a aprovação no vestibular. Tentou de tudo durante a faculdade, buscando uma conclusão. A empresa júnior foi uma dessas tentativas, e que marcou profundamente.
Empreender influenciou muito a carreira do jovem: sua experiência na empresa júnior tornou-se um diferencial competitivo.
“O empreendedorismo universitário nos ensina muitas coisas. Trabalhar em grupo, liderar, criar objetivos e alcançá-los, além de executar ideias e projetos. Nos EUA, quando precisei procurar estágio, meu currículo se destacava bastante justamente por ter experiência empreendedora. Muitas pessoas pensam que só é possível empreender na indústria farmacêutica ou abrindo farmácias e laboratórios. Porém, é possível empreender em muitos outros setores farmacêuticos, basta ter uma boa ideia e determinação. Não podemos ter uma visão limitada sobre o empreendedorismo”, afirma Bottacin.
A experiência empreendedora de Barbara veio da All Pharma Júnior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Assim como Mirian, ela ficou dividida entre a carreira acadêmica e a industrial. No entanto, seus planos foram alterados depois da experiência na empresa júnior, e ela se descobriu apaixonada por uma área inesperada: saúde pública.
Barbara conta que sua motivação inicial para ingressar numa empresa júnior foi a carência de disciplinas voltadas ao empreendedorismo e à gestão, assuntos que a interessavam.
“Acredito que poucos cursos atualmente conseguem resumir apenas na grade curricular tudo o que o farmacêutico deve saber. E muitos conhecimentos só são compreendidos na prática”, diz a farmacêutica.


Tire as ideias da gaveta


“Se você tem uma boa ideia, acredite nela e vá em frente! O futuro é incerto para todos, não apenas para quem quer empreender. É importante que as pessoas não deixem ideias na gaveta com medo do que os outros vão pensar. As pessoas podem estar escondendo ouro por um medo infundado de colocar em prática!”, incentiva Wallace Bottacin, que aposta no potencial do brasileiro em empreender. Ele destaca que, mesmo com todas as dificuldades, o esforço é recompensado.
“Se quer empreender no Brasil, deve ter a consciência de que não é fácil, e isso se aplica para as empresas juniores. A burocracia é imensa e desanimadora. Entretanto, é possível e vale a pena”, afirma Wallace.
O farmacêutico sugere que o estudante interessado entre em contato com empresas juniores já existentes, mesmo que de outros cursos, para obter dicas e informações.
“Neste meio existem muitas pessoas dispostas a ajudar”, indica.
Mirian também tem um conselho para os jovens empreendedores:
“Existem algumas coisas que a faculdade não vai ter tempo de ensinar. Se seu perfil é empreendedor, seja uma pessoa inquieta também. Busque mais, queira sempre mais. Saia da zona de conforto e pesquise, converse, movimente seus contatos. Estude muito, tenha uma meta, mantenha o foco e sonhe alto. O sonho nos tira do chão, mas o foco nos centraliza, e isso faz com que busquemos mais, porém com equilíbrio”.
Muitos acreditam não ter tempo para empreender, pois precisam suprir necessidades mais urgentes, como ter um emprego para bancar suas despesas. Porém, Barbara Villela crê que é possível estabelecer um plano para conciliar todas as atividades:
“Não tenha medo de arriscar por achar que não terá tempo. Quando estamos motivados, o tempo se multiplica”, diz a farmacêutica, que conciliava a rotina da empresa júnior com os estudos da faculdade e com o Programa de Educação Tutorial (PET).
É importante lembrar que as empresas juniores não possuem fins lucrativos. Ou seja, em geral, nenhum dos estudantes recebe auxílio financeiro para participar do empreendimento.
“Todos os ganhos são voltados para manter a empresa”, explica Barbara Villela, que ressalta que o valor da empresa júnior não é o lucro em si, mas a formação do empreendedor.
Para Wallace, é uma oportunidade incrível de unir os alunos da graduação ao mercado de trabalho: “Essa ponte criada entre esses dois não é como um estágio, pois em uma empresa júnior as decisões são tomadas por alunos. É uma realidade totalmente diferente, com uma responsabilidade alta e que traz conhecimentos imensuráveis”, explica Wallace.
Mirian complementa, finalizando: “É bem mais que uma simulação da vida real. É infinitamente maior que ‘brincar de empreender’. É moldar um perfil profissional jovem, com experiências reais para adentrar o mercado de trabalho”.
Diretor de comunicação da Brasil Júnior, Pedro Rio Verde esclarece que a empresa júnior é uma associação civil sem fins lucrativos. Em todo o país, segundo a Brasil Júnior, a Confederação de Empresas Juniores, existem 256 empreendimentos nesta modalidade, sendo dez na área de saúde. Destas, seis são no setor de farmácia. Ele destaca ainda o perfil que o estudante deve ter.
“Precisa ser inconformado e saber que, dentro de uma empresa júnior, a responsabilidade de fazer com que ela cresça é do estudante, e que seu aprendizado será proporcional ao seu nível de entrega e dedicação”, orienta Pedro.

Dica
Ficou interessado em saber mais sobre uma empresa júnior?
Leia sobre o tema em http://brasiljunior.org.br/crie-sua-ej ou fale com a
Confederação Brasileira de Empresas Juniores pelo e-mail expansao@brasiljunior.org.br.

Esta e outras reportagens estão na edição 122 da Revista Riopharma. Acesse http://goo.gl/Xt32BB