Uso abusivo de smartphones e tablets forma geração de corcundas

Diego Felipe de Oliveira está cansado de levar bronca. A postura prejudicial motivada pelo uso do celular, sempre às mãos, é motivo constante de pito dentro de casa. O estudante de Publicidade, de 20 anos, dá razão aos pais. O tempo que passa com o pescoço curvado trocando mensagens com os amigos resultou em dores crônicas na área da coluna cervical, segundo seu ortopedista. Mas ele não é o único a cometer esse pecado. Pesquisas recentes dão conta de que as pessoas, hoje, consultam dispositivos móveis até 150 vezes por dia, o que consome o equivalente a até quatro horas. Números que não surpreendem o jovem paciente.

— Devo mesmo consultar o celular tantas vezes — admite. — Tento seguir os conselhos do médico e diminuir o vício. Quero desligar um pouco desse mundo, ficar umas horinhas sem aparelho e praticar mais esportes.

Clínicas procuradas pelo GLOBO informam que a busca por atendimentos ligados a problemas na coluna cervical aumentou em até 40%, sendo que a maioria dos casos envolve pacientes jovens. A procura é ainda maior no período de férias escolares, quando há mais tempo para dedicar aos smartphones. De acordo com especialistas, muitos adolescentes ainda não associam as dores à postura torta que adotam para consultar o visor dos aparelhos. E, mesmo quando informados sobre os danos ao corpo, boa parte não procura fazer exercícios físicos para fortalecer a musculatura do pescoço e dos ombros.

Segundo um estudo do Centro Médico de Cirurgia Espinhal e Reabilitação de Nova York, a postura correta é definida pelo alinhamento das orelhas com os ombros, além das escápulas retraídas. Ao usar o celular, porém, a maioria das pessoas inclina a cabeça e projeta os ombros para frente, ficando uma posição curvada. E quanto mais baixamos a cabeça para ler e digitar mensagens, pior. De acordo com um estudo do instituto americano, se o ângulo de curvatura do pescoço ficar em 15 graus, por exemplo, a carga sobre a coluna cervical será de 12,2 quilos. Aos 60 graus, o peso chega a 27,2 quilos.

A soma de todo o tempo gasto com esse estresse sobre a coluna atinge, em média, 1400 horas por ano, segundo estimativas. O montante pode até triplicar entre estudantes, levando a desgaste precoce e risco de problemas crônicos. O diretor do centro em Nova York, Kenneth K. Hansraj, reconhece que “é quase impossível evitar as tecnologias que causam esses problemas”. As recomendações, portanto, são ponderadas: é preciso policiar a postura do corpo e diminuir o tempo dedicado a smartphones e tablets.

O coordenador de Ortopedia do Hospital Samaritano de São Paulo, Luiz Fernando Cocco, se acostumou a receber no consultório a “geração da cabeça baixa”, como ele chama os jovens corcundas com a visão sempre voltada ao celular.

Segundo o médico, no ano passado, a quantidade de atendimentos a pacientes com problemas devido ao mau uso de dispositivos móveis aumentou pelo menos 12%. Destes, 82% são adolescentes ou adultos jovens.

— As queixas aumentam nas férias, quando eles passam muito mais tempo com os aparelhos sem interrupções — comenta o especialista. — São 150 doses diárias de inclinação do pescoço. O sistema muscular esquelético não está preparado para o uso prolongado desses dispositivos.

Além das dores musculares, há mais riscos de acidentes. O médico Cláudio Gil Araújo, professor do Instituto da Coração da UFRJ, já teve ciência de vários casos: gente que tropeça em escada, cai na rua e esbarra em outras pessoas enquanto lê ou escreve nos aparelhos.

— O celular, que antes era usado apenas por alguns minutos, hoje não vai à orelha. Virou um aparelho de mão — observa. — Além do desvio de atenção e fatores que podem levar a acidentes, a manutenção da postura inadequada provoca lesões de esforço repetitivo.

Araújo destaca que existem exercícios para atenuar as dores de coluna dos viciados em smartphones.

— Faça o movimento do “sim” com a cabeça. Tente encaixar o queixo no tórax. E, também, o do “não”. Leve o queixo até os ombros. Repita os movimentos pelo menos dez vezes seguidas — recomenda.

EXERCÍCIOS AMENIZAM EFEITOS PREJUDICIAIS
Ortopedista especializado em cirurgia do ombro e cotovelo, Márcio Schiefer, do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), diz que, em dois anos, aumentaram em 40% as queixas sobre problemas na coluna e no punho relacionados a dispositivos móveis.

— O uso frequente de redes sociais nos celulares virou um tema corriqueiro no consultório — comenta Schiefer. — Os desktops estão sendo preteridos com o tempo, mas deveriam ser priorizados.

De acordo com Schiefer, manter a cabeça inclinada para frente por muito tempo também pode levar a hérnia de disco na coluna cervical:

— As hérnias têm múltiplas causas, entre elas, hoje, estão as alterações posturais dos pacientes que usam muito celular — alerta. — O problema pode causar dor na região mais sobrecarregada, mas também nos braços e até nas mãos. Além disso, existe o risco de provocar problemas de fundo neurológico nos membros superiores, como fraqueza e alterações na sensibilidade.

Para o presidente do Comitê de Coluna da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, Mauro Volpi, as pessoas estão começando a perceber a nova origem dos problemas de coluna. No entanto, ainda não esboçam providências.

— Antes não havia tanta divulgação desses problemas, então, poucos sabiam por que sentiam dor. Agora, eles conhecem a razão, mas continuam sem fazer exercício — lamenta o médico. — O preparo físico é a maior prevenção.

Especialistas explicam que atividades para compensar a fadiga muscular, como alongamento, fisioterapia, ioga e pilates, podem amenizar os efeitos indesejados. Além disso, o uso de smartphone tem um lado bastante positivo na saúde. Médico de coluna do Grupo Pró-Movimento e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Luiz Claudio Schettino sabe disso:

— Quando o paciente entra na emergência, por exemplo, o médico de plantão verifica os exames e, por vezes, compartilha o caso via celular para discutir com colegas — conta ele. — Tenho um grupo de WhatsApp para a faculdade, outro para a clínica e um terceiro para o hospital onde trabalho.

Márcio Schiefer, por sua vez, usa o aparelho para tirar dúvidas de seus pacientes:

— Acompanho o progresso depois de cirurgias e confiro o resultado dos exames. A tecnologia encurtou a distância entre médico e paciente.

Fonte: O Globo